
Você sabe o quanto é incrivelmente mágico ouvir uma risada infantil, não
sabe? O quanto tudo parece melhorar quando, por um segundo, você ouve aquele
som que mais parece uma sinfonia de Beethoven levada ao vento. Acontece que, em
um segundo, ela pode ser levada. Ao longe.
O tráfico de crianças é algo que assusta. É algo que mexe tão
profundamente com cada parte do nosso corpo que é melhor até evitar falar sobre
isso. Na verdade, acredito que esse seja o maior erro que a humanidade comete.
Evitar falar sobre isso. Não que não seja emitido nacionalmente nas telas das
nossas televisões o fato de que o número de crianças que são submetidas a essa
crueldade cresce absurdamente. Não que não saibamos a quantidade de crianças
que perdem, todos os dias, a chance de crescer, de brincar e até mesmo de
viver. Não que não esteja retratado em nossos livros de história, histórias que
demonstrem que desde os tempos antigos as crianças também eram torturadas. Isso
tudo está explícito. Mas, falar sobre o tráfico de crianças torna-se perigoso. Perigoso
para alma.
O problema é que não se pode fugir sempre do que nos provoca náusea, dor
ou medo. Estou escrevendo isso porque estava pensando em fazer uma crítica do
filme Lion- Uma jornada para casa( ótimo filme aliás aconselho assistirem), mas enquanto eu ia
repassando as cenas em minha mente, percebi que, assim como em outros filmes,
Central do Brasil por exemplo, o assunto de tráfico de crianças estava
presente, mas novamente de forma subentendida. Esse subentendimento incomoda.
Incomoda porque na realidade é o que realmente acontece. Quando uma criança é
sequestrada, transportada como um animal indefeso para outro país e obrigada a
desistir da vida que tinha pela frente para em troca trabalhar ou ser usada como objeto
sexual é real. Infelizmente, lamentavelmente,
cruelmente posso usar todos os advérbios mais horríveis que existem, mas é
real. E, muitas vezes, esse real acaba sendo ocultado pelo “alívio” que o subentendido
nos causa.
É muito mais fácil acreditar que o que não foi mostrado não está ali. Que
a cena se perca em nossa imaginação. Mas o que não foi mostrado está realmente
aqui. No nosso mundo real. Seja na China, na Índia, na África, no Brasil está
aqui. Não se pode negar o inegável. Então porque esconder? Porque fechar os
olhos para uma realidade que, mesmo difícil, pode ser evitada. É cômodo
subentender. É como acreditar que isso é apenas cena de filme. É cômodo pensar
que essa crueldade existia apenas na Espanha na época que o franquismo usava
crianças para matar. É cômodo pensar que a escravidão e o trabalho infantil
acabaram. É cômodo fechar os olhos para não ver ou para não sentir. Mas. enquanto
nos omitimos algo acontece. Uma família sofre o desaparecimento e perda do
filho. Uma criança chora pela saudade de casa. Crianças são submetidas a
situações desumanas enquanto perdem-se na desesperança do nosso comodismo.
Falar sobre o tráfico infantil dói na alma. Mas fazer algo para ajudar a
combatê-lo salva vidas.
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